"Para
atravessar agosto é preciso antes de mais nada PACIÊNCIA E FÉ. Paciência para
cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau;
fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro – e também certa
não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É
preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só
lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data.
Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto
e ir em frente. ESTE É UM PONTO IMPORTANTE: IR, SOBRETUDO, EM FRENTE.
Para atravessar
agosto também é necessário reaprender a DORMIR, DORMIR MUITO, com gosto, sem
comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de
agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus, fica a
suspeita de sinistros angúrios, premonições. Armazenar víveres, como às
vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem
muito critério de qualidade...
[...]
...Para
atravessar agosto ter um AMOR seria importante, mas se você não conseguiu, se a
vida não deu, ou ele partiu sem o menor pudor, invente um. Pode ser Natália
Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o
seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites
de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto
do freguês. QUE SE POSSA SONHAR, ISSO É QUE CONTA, COM MÃOS DADAS, SUSPIROS,
JURAS, PROJETOS, ABRAÇOS NO CONVÉS À LUA CHEIA, BRILHOS NA COSTA AO LONGE. E
BEIJOS, MUITOS. BEM MOLHADOS.
Não lembrar dos
que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir,
nem vingar-se, e TEMPERAR TUDO ISSO COM CHÁS, de preferência ingleses, cristais
de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, VINHOS, CONHAQUES – tudo isso
ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as
desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são.
Esquecer o Zaire, a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. APRENDER
DECORAÇÃO, JARDINAGEM, IKEBANA, A ARTE DAS BANDEJAS DE ASAS DE BORBOLETAS –
coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. É
isso mesmo, evasão, escapismos explícitos.
Mas para
atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter demais
no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito, perdoe o
mau jeito, assim, veja, bruto e seco:."
Caio Fernando
Abreu (6/8/1995 para o Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO)